Sem defender nenhuma tomada de posição que ingenuamente simplifique os últimos movimentos pelo "passe livre” como sendo de fato uma reivindicação por transporte público com tarifa zero (porém, é claro, não de graça), apenas, no entanto, identifico que estamos perante uma discussão que sempre foi nossa, mas poucas vezes foi escutada pela sociedade. O grande risco que se apresenta agora é que, em função do grande poder de "espetáculo” que existe atualmente, a discussão descambe para a intervenção em apenas uma das variáveis do problema - por exemplo, o preço da tarifa - e as coisas fiquem ainda piores para o transporte público. Por outro lado, o espetáculo e sua visibilidade exigem que nossa voz esteja presente.
Analisando localmente o problema, a prefeitura de São Paulo há anos transfere somas consideráveis na forma de subsídios diretos ao transporte por ônibus na cidade, inclusive para viabilizar o Bilhete Único que exigiu um substancial aumento das transferências. Todavia, estas transferências são insuficientes para viabilizar uma tarifa mais baixa, por causa dos altos custos de produção do serviço nas condições vigentes, por exemplo: velocidade baixa e acúmulos em pontos de parada. A administração municipal recentemente empossada se propõe - e já dá sinais de que realmente pretende - a investir em mudanças estruturais de uso das vias e racionalização das linhas, que reduzirão os custos e aumentarão a qualidade do serviço. Está também procurando fontes adicionais de recursos fiscais para aplicação na viabilização das medidas acima e na manutenção das tarifas - o que ao longo do tempo reduziria seu valor real.
Por seu lado, o Estado de São Paulo vem há anos investindo pesadamente na expansão do sistema de metrô e trens metropolitanos, além de subsidiar sua operação e manutenção com enormes recursos. Estes recursos também não são suficientes para sustentar uma tarifa mais baixa, a menos que se reduzam os investimentos e parte dos recursos seja canalizada para este fim.
A quantidade de recursos que poderiam ser obtidos, semelhante aos ônibus, por medidas de aumento de eficiência é desconhecida, mas provavelmente menor. Ambos os sistemas estão, dentro das condições atuais, com sua capacidade esgotada, mas o sistema por ônibus apresenta uma elasticidade e rapidez maior de aumento potencial, caso as vias sejam aproveitadas de forma mais eficiente.
A nível nacional, todos os exemplos de serviços públicos , quando gratuitos e identificados como de interesse social (educação, saúde, assistência social) são de má qualidade, com meios para investimentos em melhorias insuficientes, com profissionais mal remunerados, ineficiências e estigmatizam quem deles depende, levando a população a abandoná-los sempre que seja financeiramente viável. Adicionalmente, todos os serviços públicos que dependem de investimentos e/ou custeio garantidos por orçamento público (estradas, portos, aeroportos, habitação popular, esgotos, limpeza urbana) são cronicamente insuficientes, ineficientes, de baixa qualidade e economicamente caros ou, pelo menos, possuem algum desses defeitos.
Uma análise realista da situação atual do transporte público leva à conclusão de que a solução para a questão que se coloca como urgente neste instante passa necessariamente pela adoção de uma série de medidas. Primeiramente, que sejam garantidas fontes de recursos para subsídio ao transporte público e para investimento em expansão e melhorias de qualidade dos meios de transporte, levando em consideração critérios de urgência, eficácia e eficiência dos investimentos. Ao mesmo tempo, é indispensável que se assegure uma maior eficiência na utilização dos recursos existentes, especialmente as ruas e estradas.
Quanto às tarifas, deverão ser definidas por critérios sociais, urbanísticos e de viabilidade econômica das fontes de recursos, de maneira a que os serviços de transporte pagos tenham preços suficientes para cobrir os custos e sejam atraentes aos investidores. Isto sem descuidar dos mecanismos de seleção dos projetos, para que não haja aumento desnecessário dos custos do sistema de transporte público, e mantendo mecanismos transparentes de controle da qualidade final da prestação dos serviços.
A ANTP, defensora dos meios públicos de transporte desde sua fundação em 1977, acredita que o assunto das cidades, principalmente as metrópoles, é e sempre foi fundamental para o presente e futuro do país. Também acredita que a existência de um transporte público accessível (tanto no preço quanto em sua disponibilidade e características físicas), eficaz e de qualidade resulta em uma vida urbana socialmente rica e solidária e uma sociedade mais sustentável e segura. Participa há anos, diretamente e também através de organizações como o MDT - Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade, da difusão dessas ideias e de soluções para que isso seja possível, porém, é preciso reconhecer, até agora com muitas frustrações em função do baixo valor político atribuído a nossas preocupações.
Cláudio de Senna Frederico é consultor e membro do conselho diretor da ANTP
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